Physics of Gridlock - Pain of Salvation

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sede

A seda leve pesou.
O linho branco manchou.
A sede breve morreu.
O sangue frio correu.

O sangue quente gelou
e o amor não morreu.
O linho branco rasgou
e o medo não sou eu.
E a sede não me aquece.
E o fogo não arrefece.
E o amor não morreu.
O amor arrefeceu.

"Nunca parto inteiramente" , Assobio da Cobra, Manuel Paulo/Manel Cruz

Escapismo

Sem arder em chama morta,
Sem perder a calma e a sorte,
Sem passar por essa porta,
Sem mudar o nome ao fogo,
Sem chamar por ti num grito,
Sem gritar por ti sendo mudo,
Sem parar de ser teu porto,
Sem te abandonar o corpo.

Faço de ti meu passado.
Deixo para mim meu futuro.

"Como seria" , Assobio da Cobra, Manuel Paulo/Camané

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Esta era a altura
em que os meus braços
se fechavam em torno dos céus,
em busca do sol.

Era o momento
em que os meus passos
ecoavam no mundo,
à espera dos teus.

Era o tempo
em que os traços
soltavam a tua imagem
desenhada de um sonho.

Era o segundo
em que os espaços
se quebravam entre nós,
como uma viagem mental.

Esta era a hora
em que os escassos
medos gritavam em mim,
como um prenúncio do fim,
que não chegou.

"Pode alguém ser quem não é" , Irmão do meio , Sérgio Godinho & Teresa Salgueiro

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Véu

Demos as mãos no escuro,
enquanto a luz não nos amparou.
Anunciámos ao mundo
que silêncio é este que se gerou,
se finou e se refez,
que grito mudo gemido
ardeu no fundo, desta vez,
e se apagou num estrondo
mais que profundo.
Fechámos os olhos á luz,
quando a escuridão nos deixou.
Guardámos do mundo
que voz é esta que nunca soou,
se ouviu ou se fez,
que ideia, sonho se formou,
voou e não se desfez,
e voltou num segundo
pouco mais que efémero.

"The blue marble and the new soul", The Obsidian Conspiracy, Nevermore

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O segundo

Vi-te arder no meu colo,
acender-me o erguer do sol.
Soube-te renascida
no mar a prazo da minha boca,
adormecida na minha voz rouca
sussurrada num canto de ti.
Abri-te os olhos na escuridão,
e dei-te a mão
pelas paisagens da tua pele.
Falei-te de mim,
preso num olhar teu.
Ri-me de mim,
a tentar resistir-te ao céu.
Desisti, prostrado,
de fugir, deitado
a ouvir-te sonhar.

Será que tentei?

"Chega de saudade", Inédito, Tom Jobim

segunda-feira, 1 de março de 2010

Calafrio

E sou eu gelo.
Sou gelo e não quero sê-lo,
nem tê-lo,
nem dentro
nem á flor do olhar.

E sou eu distância.
Sou distância na vã ânsia
de estar perto,
tão perto,
sem de mim me mover.

E sou eu morte.
Sou eu morte sem norte,
nem forma
de na minha calma
o encontrar.

"Coil" , Watershed , Opeth

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Força fraca

Cedo no fino frio
do sono fugido,
abandonado ao cio
desgovernado e sofrido
de amor, de amar.

Tarde na fina arte
de ser sentido,
pele, tudo e parte,
segredo suado, vivido
de arder, de queimar.

Agora na fina morte,
no ascender tecido,
dor e ar sem sorte,
sem dono e sem destino
senão tu.
Senão tu.

"Shine on you crazy diamond" , Wish you were here , Pink Floyd

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sonho feito

Fazer.

Das semânticas, silêncios.
Das curvas, entre-curvas,
Dos contra-sensos, sentidos.
Dos meandros, a direito.

Abrir.

Das veias, ar e vida.
Dos sonhos, flores ao sol.
Dos céus, luz e chão.
Da terra, fogo na minha mão.

Sonhar.


"Abandoner" , Insurgentes , Steven Wilson

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Óbvio

Não sei se para sempre
ou eternamente.
Não sei se a medo
ou sempre em frente.
Não sei se ardemos
ou se o calor nos pertence.

Soube-o sempre, contudo.
Soprado nas palavras.
Sorrido na luz.
Dito por enigmas
no teu gesto
mais meu.

"Weakness" , Damnation, Opeth