Physics of Gridlock - Pain of Salvation

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Pretérito

Recordar os dias,
nas páginas rasgadas
de um calendário
de cantos dobrados.
Memórias amareladas,
sons sem timbre,
sonhos guardados
nos olhares trocados.

Lembrar as cores
escondidas no toque
da pele, no frio,
no tropel sem tino.

Sentir no corpo
o tempo, sentir,
sorver, agarrar.
Querer guardar,
não largar,
não querer andar
nem prosseguir.
Pendurar de novo,
repetir, repetir,
até ao fim.

"A Red October", Dreams where we die, Best Before Full Moon

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Neblina

Envolvi-te foz
em bruma baça,
com a seca voz
do gelo das nuvens.
Parei-te as correntes
do rio de ser,
com o olhar dos ventos,
do profundo do leito
ao branco do céu.
Gelei-te as ondas
de intruso mar.
Abri-te as redondas
íris, pálidas, a cegar,
para sempre encerradas,
pelo meu sol por brilhar,
reflexo de amar.
Apartei-te os braços
do meu corpo etéreo,
sem lutar, sem forçar,
apenas por não lá estar,
realmente.

"Gravity eyelids" , In Absentia , Porcupine Tree

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Madrugada

Pele que arde,
só, sentida,
separada, benvinda,
fogo que não finda.
Fome que grita,
dói, padece,
consome
e não desaparece.
Sede de ser,
na boca, no peito,
anoitecer,
respirar desfeito.
Soprar de vida,
vento, paixão,
solidão desabrida,
sofreguidão
de despedida.
Escombros, destroços,
ruir em surdina.
Maldição de noite,
que termina.
Morrer de madrugada
nos braços da sorte,
sorrir na morte,
e amá-la ainda
pela alvorada.


"Adiós Noniño" , Astor Piazzolla

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Eterno

Tudo é chama,
explosão.
Tudo é vento,
tudo é sal,
tudo tem velocidade,
sabor,
tudo tem velocidade
de amor.
Até o fim.

E tudo clama,
sem perdão.
E tudo é imenso,
e tudo é desigual,
e tudo tem eternidade,
calor,
e tudo tem eternidade
de amor.
Até ao fim.

"Time after time" , Chet plays and sings the great ballads , Chet Baker

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Souvenir

Guardei um cabelo teu.
Estavas aqui,
mesmo aqui,
já, agora,
e o teu cheiro,
nos meus sentidos,
eram perdidos
fragmentos de cor
que achei
num olhar.

Guardei um cabelo teu.
Estavas longe,
bem longe,
já, agora,
e o teu cheiro,
na minha memória,
era a história
de um cabelo
que roubei
com um beijo.

"Glow" , Blackfield , Blackfield

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Fuga

Perdi-me a adivinhar
os teus olhos.
Fugi de mim,
a sonhar.
Nasci assim,
noutro lugar,
de novo, de fresco,
ao teu lado.
E continuava só.

Silêncio da ausência

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Efeméride

Aproveito para dizer,agora que reparei, que este blog fez um ano de existência há duas semanas.Não,ainda não o vou fechar.

Ainda vou tendo comentários,seguidores e assunto esporádico para tratar.E é um lugar que ainda visito todos os dias e que,portanto,ainda me é importante,até porque foi um sucesso.Não por nada do que acabei de dizer,e nem sequer pela efeméride,porque como dizia o Rego "Apagar o blog não destrói o que nele é contido.Apenas apaga a prova física da sua existência.",pelo que ele existirá sempre,quanto mais não seja,em mim.É um sucesso,porque este blog é uma parte de mim,exposta,finalmente,pelos meus termos.Cada post é uma nova forma de ser eu,cada post é um novo homem que transporta o anterior para uma nova vivência e um novo existir.Porque é aqui que nunca me resigno.

"Beneath the myre" , Ghost Reveries , Opeth

domingo, 14 de junho de 2009

Bolina

E a âncora falou mais alto.
Perdeu o medo
na fé do salto,
Genoa,vento,
tempestade.
Separou as amarras
da vontade,
abriu as garras,
rasgou as asas
e voou.
Sem saber,
sem perceber
que vento criador
fez do barco
um holandês voador.

"Deadwing" , Deadwing , Porcupine Tree

sábado, 16 de maio de 2009

In Significância

No fio 
de suor frio, 
antes de entrar 
no mar 
de sal. 

No ser 
a envelhecer, 
antes de dar 
o salto 
de fé. 

No vento 
do norte, 
antes de gritar 
gelo, sede, 
morte. 

No grito 
que necessito, 
antes de ser 
o pó e ser 
as cinzas. 


"Signify" & "Darkmatter", Signify , Porcupine Tree

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Logos

Na ausência da urgência,
pesa o ar e o vento,
passa ao lado
o momento,
passa ao lado 
o intento.

No desuso da surpresa,
assaltou-me o aroma
de uma certeza
que não vem.

E então tudo é surpresa.
Um bater de coração.
Uma palavra em canção.
Um levantar do chão.

E então nada é uma certeza.
Um olhar sentido.
Um calar sussurrado.
Um respirar cansado.

Na saudade da certeza,
a surpresa sente
e ressente-se.
Chora a quente,
e despede-se
de novo,de mim.
Porque sim.


"Fado do Campo Grande" , Novo homem na cidade , Camané

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Canto de cisne

Cantaste.
Aclaraste 
a garganta
e abriste o peito,
como um mantra
imperfeito
perdido no tempo.
Um diafragma desfeito,
um grito limpo,
escorreito,
voz de razão.
Melodia perdida,
harmonia dissonante
e desprovida
de sentido relevante.
Resolvida a questão,
a suspensão
é determinante:
os acordes em vão
morrem no peito,
cantos sem efeito.
As epopeias em canção
perduram e persistem,
remam e subsistem,
e não,não
se deixam diminuir.
O diminuendo final
é da nota natural
não por definir,
mas do menor
por concluir.

"Strip the soul" , In Absentia , Porcupine Tree
                                 &
"15 step" , In Rainbows , Radiohead

domingo, 15 de março de 2009

Marasmo

Sou a salmoura que respira.
sou mar de salitre.
Sou cristalino,
sou leve e sou livre.
Sou cego e sou fino,
sou fardo,sou Graal.
Sou do mundo,
da minha terra natal.
Reflicto céu, profundo,
sou mar, inundo,
um sabor de negro sal.
Sou dilúvio,sargaço,
ramo de oliveira.
Tranquilidade,espaço,
quer eu queira,
quer não queira.
Sou fogo, sou pira,
ardo forte,
ardo morte,
ardo sangue e ardo vida,
pela terra mal vivida.

"Fortuna imperatrix mundi: fortune plango vulnera", Carmina Burana, Carl Orff

segunda-feira, 9 de março de 2009

Poemário

Para escrever um poema,
não preciso ser pomposo.
Preciso de um tema,
um mote generoso.
Posso usar palavras caras,
mas se lhes tenho amor,
não posso vendê-las.
Tenho de lhes dar asas,
sem rancor,
sem medo de tê-las.
Para escrever um poema,
não posso querer escrevê-lo.
Um poema não é um poema,
é antes uma prosa sem apelo.
É um pouco do meu ser apalavrado,
que ganha forma,enquadrado,
em métricas despropositadas,
em semânticas inusitadas.
Para escrever um poema,
devo desprezá-lo.
Expulsá-lo de mim,
libertá-lo.
Deixá-lo ser, assim,
mais um poema livre,
que poderia ter sido
a prosa de um livro,
ou um ideal esquecido.
Para escrever um poema,
devo ter em mente regras,
para melhor as rasgar sem que tema,
ás cegas,
quebrá-las ou fazer cumprir.
Devo deixar-me ir.
Esquecer a gravidade
dos corpos,
o calor da cidade
ou o frio dos campos.
Para escrever um poema,
devo pensar o sentimento,
sentir o pensar.
Devo chorar contentamento,
sorrir o pesar.
Secar o pranto,
elevar o canto
e terminar,
como quem pede para ficar
mais um pouco a meditar.
Para escrever um poema,
devo acabar,
um homem um pouco melhor,
que ao começar.

"Wish you were here" , Wish you were here , Pink Floyd

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Fosse eu um dia...

...E o sol ver-me-ia nascer,
Para sempre.
Na luz dos olhos escuros,
no calor da pele de galinha.
No sorriso da criança,
no pranto da noite
que me adormece
na esperança
de me voltar a ter.
A vida ver-me-ia passar.
Como sempre.
Na sede dos destinos secos
por aportar,
no porto seguro do tempo
por navegar.
A morte ver-me-ia chegar.
Como um nunca.
No ensurdecer de um suspiro,
no silêncio do expirar.
No ar que respiro,
na vida a acabar. 


"Experiment in terror" , Director's Cut , Fantômas

sábado, 10 de janeiro de 2009

Salmo

Encho a boca de preces vazias,
pedidos perdidos no gélido esquecimento
do calor dos dias.
Estórias contadas a fio,
arrepios de estio,
sonhos de frio
aprumado,embaladas
em rezas ao infinito
do céu.

Perco a vontade de saborear os céus,
concretos incertos,destinos desertos
dos servos teus.
Visões da mármore branca,
longe da verdade franca
que na vida tranca
o ser,enredado
em mentiras sem fundo
nem véu.

Agarro-me á certeza dos olhos meus,
sons fortuitos no ruído eterno,
no amor do fardo nas mãos de Deus.
Secas torrentes de paz,
reflexo do que faz
a fé no fado,murmurado
em segundos sem fim
nem princípio.

"The space for this" , Traced in Air, Cynic