Physics of Gridlock - Pain of Salvation

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Do nada

O que são asas cortadas? 
O que são amarras 
E algemas 
Ao pé de palavras roubadas? 

O que são sonhos desfeitos 
O que são medos 
E desconfortos 
Ao pé de sorrisos perfeitos? 

O que são duras desventuras? 
O que são chagas 
E maleitas 
Ao pé de novas loucuras? 

O que é o frio silêncio? 
O que é o vazio 
E a noite 
Ao pé de um beijo tenso?

"Sectarian", Lykalia, Soen

sábado, 26 de novembro de 2016

Do Oculto

Bordados desejos,
Tecidos beijos
Adormecidos,
Despidos,
Pintados, que vejo
Em ti.

Abotoados ensejos,
Cosidos trechos
Silenciados,
Velados,
Rompidos, que deixo
Para ti.

"Meaningless", In the Passing Light of Day, Pain of Salvation

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Da precipitação

És o que ficou.
O que não fugiu.
Que não calou,
Que não se viu.
És o que nunca foi.
O que se pensou.
Que me corrói
Mas não gelou.
És o que fez de mim
Quem passou e se deteve,
Quem diz que sim,
Quem nunca se conteve.
És quem não se perdeu
Na água turva.
És o que não morreu
Na primeira chuva.

"Physics of Gridlock", Road Salt II, Pain of Salvation

domingo, 1 de novembro de 2015

Da febre

Mesmo havendo distância,
qualquer lonjura que se apreste,
mas mais ainda
quando ela se transpõe no respirar; 
Mesmo quando a fragrância,
o aroma de que se reveste
existe e persiste,
quando ele não devia vingar;
Mesmo havendo incêndio,
o fogo aberto que me teste,
mas sobretudo
quando me vejo a falhar.

Mesmo no caos,
Caída no ardil,
Toda a entrega
É febril.

"Closer", The downward spiral, Nine Inch Nails

sábado, 17 de outubro de 2015

Da epopeia falhada

Sobrevivemos a tudo,
Matámos a quimera
De veludo
Da estranheza.

E agora,
Como vencer o demónio
Invisível
Da distância?

"Savia", Cognitive, Soen

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Da saudade da maresia

Esperei por cada onda
Que não te trouxe.
Esperei por cada beijo que não veio.
Esperei pelo calor que nunca foi meu.
Esperei por cada memória,  pacientemente,
uma que te trouxesse a mim,
onde tantas vezes e nunca foste minha.
Esperei por tanto e sou feliz,
Sabendo não ter de procurar
por quem levar comigo.
Sou feliz ouvindo estas ondas.
Em cada uma estás tu e a tua gratidão pelo simplório que decidiu ser teu.
"River", Pale Communion, Opeth

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Da desavença

É deste rio que tive inveja.
Da placidez que nunca se rendeu,
da fúria que nunca se excedeu.
É deste rio que guardo rancor.
Da víscera ferida de ser eu,
do figadal que é e não morreu.
É deste rio que lembro o vão.
Da dúvida de que é réu,
da certeza de que perdeu.
É deste rio que me esqueço.
Da moeda de prata que o vendeu,
da vergonha de ser seu.

"Eternal rains will come" , Pale Communion , Opeth

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Ave-do-paraíso

O teu bater de asas
será sempre o teu grilhão.
Fica-me o vento que trazes,
Pena na palma da mão.
Consome a vida em bicadas,
Não há bicadas em vão.
Contas-me histórias aladas
Com migalhas de pão.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Do verbo

"São só cartas",
dizia eu,
"mortas".
Eram fotografias,
na realidade.
Escritas,
é verdade,
mas minhas
e, por conseguinte,
vozes de câmara escura.
Tive de guardá-las
com a doçura
de quem guarda balas
no corpo.
Cada sopro,
estupro,
homem,
lágrima e grito
e medo do além
que visito
é um tiro escrito,
à espera de imagética.
E agora, como então,
parece cruel
fazer esperar as palavras.

"Postcard", Grace for drowning, Steven Wilson

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Da busca

Tocar.
Iluminar.
Entender.
Escurecer.
Amar,
Beijar de olhos fechados,
Embargar as lágrimas,
Dizer que vazio fica,
Arder por dentro,
Silenciar.
Fechar os olhos.
Não querer dormir,
Não querer parar
De andar
Até encontrar
Nesse beijo de meia noite
E estrelas
E olhos fechados
O meu próprio perdão.

"Road Salt" , Road Salt One, Pain Of Salvation

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Da ausência

Há um lado anárquico
Do teu beijo.
Há um lado apático
Do teu fervor.
Há um lado cego
No teu olhar.
Há um lado áspero
Na tua voz.
Há um lado mortal
No teu cheiro.
Há um lado cruel
Na tua pele.
Há um lado gélido
No teu calor.
Há um lado venenoso
Do teu sabor,
Quando não estás.

-Silêncio e falésia-

terça-feira, 24 de julho de 2012

Da crónica

Li-te sobre um homem.
Um velho homem,
cansado,
gasto,
temperado,
exausto,
meio morto,
todo vivo de sede.
Li-te sobre um homem,
de branco na têmpora,
de sangue na guelra,
de asas nos sonhos,
negras asas,
e sol na pele.
Li-te, falei-te, contei-te.
Li-te sobre mim.
E não percebeste.

"Softly she cries" , Road Salt II, Pain of Salvation

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Da fadiga

Estou cansado de palavras.
Sobretudo Portuguesas,
somente Portuguesas.
Cansado de não sentir,
quando tão sentido
tenho sido.
Cansado de te dizer
que quero,
quando prefiro ter,
nada dizer
e o que espero
não tardar.
Cansado de usar vocábulos,
de inventar parábolas,
de me dizer a mim mesmo
que o marasmo
também é mar de marinheiro.
Cansado de saudade,
de fado, de argumentos.
Estou cansado.
Quero apenas o que é meu.

"Fado do ladrão enamorado", Rui Veloso

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Da frequência das notícias

Escrevo, pouco pensando.
Escrevo pouco, pensando.
Escrevo sempre desconfiando,
Escreveria sempre, desconfiando;
Desconfio tanto, contudo,
que escrevo pouco,
porque desconfiando, penso.
E pensando, desconfio
sempre, sempre do pensar.

Sentindo, penso pouco.
Desconfio na medida do ser,
penso um pouco rouco,
enferrujado e sem querer.
Crio e recrio o espontâneo,
Esqueço o que planeio,
e saio para comprar tabaco
que nunca fumei,
sem saber quando voltarei.
________________________________________________

Escrever é ter saudade. De mim, das palavras, de ser só, de ter saudade.
Estou em viagem, e este é um postal.
Não tenho saudade, mas as palavras que foram a minha única família em momentos únicos precisam de saber que estou vivo para elas.

"Arte quis ser vida" , Nada é Possível , Supernada

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Grilhões

Deixo as correntes na corrente.
As amarras no cais.
Digo aos céus, imprudente,
"ao chão, nunca mais".
Faço adeus
a quem passa,
caminhos meus,
contra-mão e graça,
sorte e "vemo-nos nessa praça".

É tempo.
Toca a andar.

Escape, Peixe

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Temporário

Nem o cedo é tarde, nunca foi.
Foste sempre a minha urgência,
que sempre quis demorar,
sem nunca abrandar.

Nem o tarde é cedo, nunca será.
O tempo é minha insolência,
sempre vã, negra, cega e sem perdão
que nunca pára quando deve parar.

"Suor e Fantasia" , Quinteto Tati

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Astrolábio Cabrestante

Devia ter-me dado ao mar, naquela noite. Talvez tivesse percebido mais cedo para que lado me levavam as estrelas e me soprava o vento. Para que fado me talhava o canto. Para que medo me falhava o pranto.

Devia ter seguido as ondas, a fúria ao desbarato. Devia ter sentido em meu corpo nu a bravata de ser guerreiro e navegador, o frio da água, a vontade de nadar contra a corrente, nunca mais ver terra minha.

Devia ter feito o que senti, cantar sem medo meu sentimento vão. Devia ter ignorado o frágil temor do que ficou para trás, devia ter bradado pátria ingrata, se por mim me sagrei e fui herói.

Devia ter-te pedido o mundo, quando tão pouco dele tinha visto. Levar-me até ao profundo dos mares, ser meu próprio guia, guiar-te por minha mão temperada no ferro da idade.

"Pode alguém ser quem não é" , Irmão do Meio , Sérgio Godinho

domingo, 11 de setembro de 2011

Fugata Bravatta

Escutei a glória divina
do teu respirar descompassado,
como um grito fechado
há eras sem conta
num peito saudoso
de arquejar,
de se esquecer,
de respirar.
Mais um passo,
difícil, forte, de morte
de teatro,
e tudo estaria acabado.
O meu corpo deixaria o teu,
o teu resistir-me-ia,
o vazio chegaria ao céu,
o violino choraria.
Mas não aconteceu,
ainda não.
Ainda tenho a tua mão,
ainda te posso levar,
os teus olhos conspiram fugas
por consumar,
e eu respirei-te a pele
em tantos passos mudos,
que os não consigo contar.
E em todos eles,
te sonhei tomar.
É contratempo,
é o fim,
é o acorde final do desconcerto.
Terminamos de respirar ofegante
entregue um ao outro,
com os teus lábios
a clamar desejo,
e eu morto por roubar um beijo,
que me pertence mais que a ninguém.

Mas estamos sós, e acabou a música. Mas não o tango.

"Primavera Porteña" , Piazzolla Seasons, Gidon Kremer & Kremerata Baltica (original Astor Piazzolla)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Graves

Entre muros de razões,
entre madeixas de cabelo desgrenhado,
entre dúvidas e questões,
entre pele e fogo,
entre falsas interrogações,
entre olhos vidrados,
entre medos e absolvições,
entre bocas coladas,
entre furiosas redenções,
entre suores e febres,
entre breves hesitações,
entre a selvática entrega,
entre a morte e as monções.
Entre nós.

"The Great Gig in the Sky" , Dark Side of the Moon , Pink Floyd

terça-feira, 21 de junho de 2011

Valeriana

Se não te sonho,
livre na minha pele,
não quero dormir.
Se o teu sabor
não me mata a sede,
continuo a resistir.
Se o teu nome
não ecoa pela noite,
continuo a ouvir.
Se não te vejo
onde és só minha,
não quero ir.

"Tu e somente tu" , Quarteto Moderno