Physics of Gridlock - Pain of Salvation

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Desconforto

Deitei fora as esperanças
no calor dos muros.
Medi bem-aventuranças
em silêncios duros,
difíceis de quebrar,
interessantes de ouvir.
Prestes a sorrir,
pensei a sorte,
hipótese forte,
de te ver fugir.
A sedutora imagem
de agarrar,na margem
a mão dos idos,
os olhares perdidos
e decaídos,
surge pálida
e cálida.
Aconchegante,
mas sem fulgor.
Prestes a dormir,
pensei a morte,
hipótese forte,
de te ver partir.
A derradeira imagem,
barco que parte da margem
dos chamares perdidos
e decaídos
surge difícil
e inverosímil.
Certa e inevitável;
porque débil
sou eu.

Silêncio

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Platónico

É como ver-te passar na rua.
Ver-te morder o lábio
entre a nua
incerteza e o gáudio,
pelo meu interesse.

É como sonhar-te no suor frio.
Acordar molhado
no calor do estio,
sem te ter ao meu lado,
sem seres real.

É como cantar-te a cor.
Desafinar em contratempo,
seja onde for.
Acertar,tacteando,
onde o cantar falhou.

É desabrochar-te a flor.
Mostrar-te o mundo,
sem pudor.
Tirar-te o medo do profundo,
sê-lo sem calor.

"Garota de Ipanema", Compact Jazz, Tom Jobim (Gil&Morellenbaum)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Tango do vagabundo

Amaldiçoa a Milonga.
Passo curto,
volta longa,
olhar fortuito,
ponta a ponta.

Vira o barco,
segue a onda.
Acelera o passo,
alonga a ronda,
olha em frente,
gira de repente,
corpo colado,
respirar demente!
Pensar dormente,
corpo quente,
pásion ardente!

Mão gelada,
coração mudo,
gente calada,
cega para tudo.
Roçar de lábios,
loucos sábios,
amantes descuidados.
Olhares proíbidos,
sonhos desmedidos,
suspiros reprimidos!
No calor do respirar,
pausa no soar
do tempo a passar,
ninguém vê
para julgar.

E eis que se revolta!
Acorda a coragem
que parecia morta,
toma-a,selvagem,
nos braços da raiva solta,
beija-a num cruzar de pernas,
carícias ternas
e eternas,
na imensidão do segundo.

Retorna á balada,
de abalada,
para a realidade abandonada,
na certeza da loucura.
Perdidos na pura
paixão de um violino,
rendidos ao fino
rendilhar do piano,
a Milonga é só mais um porto seguro,
para os amantes
separados por um muro.

"Verano porteño" , The Central Park Concert , Astor Piazzolla

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Deveras cansado dos afazeres deste amargo mundo.

Assim me encontro e declaro,como se banido de um paraíso qualquer,num qualquer céu."Não mais que qualquer outra pessoa",digo eu para mim mesmo.E trabalhar tão perto do inferno pessoal da gente que polula pelo muy nobre Rossio á noite só torna mais real qualquer consideração deste género.

Ainda assim,os simplórios prazeres de estar vivo tomam conta de mim,dos meus olhos e dos meus dedos.
Tive o prazer de emprestar a uma foto semelhante a esta, este texto.Mostraram-ma,e perguntaram-me o que haveriam de escrever acerca dela.Eu não resisti.Penso que pode saír dali toda uma associação com futuro,ainda que a ideia não seja totalmente inédita.

Até lá,resta-me viver a solidão do horizonte,de um homem e da ponte que leva ao homem o horizonte.

"Muerte del Angel", The Central Park Concert, Astor Piazzolla

Cantar de fogo posto

O cheiro de lua nova
sopra-me no rosto.
Sem pressas de outra trova,
que a moda é como um fogo posto,
um cantar deposto.
Segue linhas e olhares,
corre ventos e lugares,
fugazes e sonolentos.
Abrevia-me o sofrimento,
torna lento o sentimento
de prazer por consumar.
Leve luz do ressoar,
breve grito mudo
a destoar,
negro Tudo
que fere o olhar.
O cheiro de lua nova
sopra-me no rosto.
Tudo se sente,
o que comprova
que o luar é um cantar deposto,
um doce canto do desgosto.

"Trains" , In Absentia, Porcupine Tree

terça-feira, 24 de junho de 2008

Sozinho na multidão

Eis-me aqui, numa encruzilhada de lugares comuns.

Primeiro texto em onda self-titled, como as boas bandas de antigamente; o nome, em si, é o reflexo do que tenho vivido na blogosfera, embora seja o mais provável destino de alguém que começa um blog: sozinho na imensidão de tipos que escrevem blogs. Mas creio que, sobretudo, é uma declaração de intenções, separar-me de um blog que marcou 4 anos e meio da minha vida, onde partilhei alguns dos meus mais profundos anseios e mais sentidos regurgitares de alma, com o pretexto de ser uma comunhão de grupo, quando na verdade tudo era quase igual. Quase. Chega de fotografias saudosas e deprimentemente alegres, deliciosos dizeres repetidos num dia-a-dia longínquo e celebrações de amizades ora efémeras, ora eternas. Chega disso tudo. Se estou e caminho sozinho, então declaro-me sozinho. No hard feelings.

"Unhealer" , Angl , Ihsahn